Este post fecha a sequência de três textos sobre a relação entre a inflação e o desequilíbrio nas contas públicas.
Nos últimos posts, falei sobre a inflação como um imposto. Há um outro canal ligando a inflação e as contas públicas: a inflação pode funcionar como uma espécie de calote na dívida.
A ideia é a seguinte: suponha que o governo tenha uma dívida de R$ 120 vencendo daqui a dois anos.
- Se a inflação no período todo for 20%, a dívida equivale a R$ 100 hoje: corrigindo pela inflação de 20%, R$ 100 hoje equivalem a R$ 120 ao final do período.
- Se a inflação no período for 50%, a dívida equivale a R$ 80 hoje: corrigindo pela inflação de 50%, R$ 80 hoje equivalem a R$ 80 + $ 40 = R$ 120 ao final do período.
Isso significa que a inflação maior reduz o valor real da dívida que não é indexada. Uma espécie de calote.
Parece, então, que a inflação pode acabar fechando as contas do governo por esse canal. Note, porém que:
- A maior parte da dívida do governo brasileiro é indexada à inflação ou à taxa de juros corrente (ou ao câmbio). O efeito explicado acima só funciona para a parte da dívida pré-fixada (ou seja, não indexada). Hoje, uma parte substancial da dívida é pré-fixada, mas a maior parte não é .
- Além disso, se a inflação sobe e passa a funcionar como uma espécie de calote, os investidores deixam de comprar títulos públicos pré-fixados de prazo mais longo. De fato, na época da inflação alta, títulos pré-fixados tinham prazo de pouco meses, não mais. A inflação de poucos meses é relativamente bem antecipada pelo mercado.
Assim, não creio que a inflação será o calote que “fechará a conta” do governo porque a maior parte da dívida é indexada e, além disso, à medida que a inflação sobe, deixa de existir dívida pré-fixada cujo valor pode de fato ser afetado por mais inflação.
Resumindo a sequência de posts sobre a inflação e as contas públicas:
- a inflação pode funcionar como um calote (relativamente pequeno para inflações moderadas) em uma parte da dívida, mas isso tem efeito significativo apenas no curto prazo, enquanto os investidores não esperam esse “calote”;
- além disso, a inflação pode funcionar como um imposto, mas é preciso uma inflação substancial para que esse imposto resolva o problema fiscal (como expliquei aqui).
Conclusão: como eu já disse, a inflação seria uma solução ruim para o desequilíbrio fiscal. Podendo escolher, qualquer governo vai preferir o ajuste fiscal à inflação.