O imposto inflacionário

Por Bernardo Guimarães

No post do dia 16/10, a pergunta era se a inflação seria o imposto que fecharia as contas públicas. Julgando pelo feedback que eu recebi, vale a pena explicar melhor esse tal de imposto inflacionário.

A quantidade de moeda que carregamos conosco é proporcional aos preços na economia. Quase ninguém carrega 5.000 reais na carteira, mas isso não seria estranho se o cafezinho custasse 500 reais. Uma padaria tem muito mais que 18 reais em caixa para dar troco, mas essa quantia seria mais que suficiente se o pãozinho custasse 3 centavos.

Se tirássemos 1 zero da moeda, ou seja, se criássemos o Real Novo valendo 10 Reais atuais e nada mais mudasse na economia, carregaríamos conosco a mesma quantidade de reais (ou seja, quem hoje gosta de ter 50 reais no bolso, andaria com 5 reais novos).

Para entender o imposto inflacionário, vamos agora considerar um exemplo hipotético. Suponha que a inflação seja 10% ao ano todo ano e nada mais se modifique na economia. Nesse caso:

1. A cada ano, as pessoas e empresas vão querer portar 10% a mais em moeda (para ficar com a mesma quantidade de moeda em termos reais).

2. A cada ano, a moeda comprará 10% a menos. 11 reais hoje comprarão o que 10 reais comprava há um ano.

Se ano passado havia R$ 100 bilhões em moeda na economia, esse ano haverá R$ 110 bilhões. Como esses R$ 10 bilhões entraram na economia? O governo (ou o Banco Central) trocou esse dinheiro por alguma outra coisa. Por exemplo, o governo usou esses R$ 10 bilhões para pagar parte de sua dívida que vencia. Assim, ao emitir moeda e usá-la para pagar sua dívida, o governo ganhou R$ 10 bilhões.

Contudo, ao emitir moeda, o governo não criou recursos, não aumentou a capacidade de produção na economia. Assim, se o governo ganhou R$ 10 bilhões, alguém tem que ter perdido. Quem?

Perdeu quem portava moeda. Ao passar de um ano, os R$ 100 bilhões compram menos coisas na economia. Seriam necessários R$ 110 bilhões para comprar o que R$ 100 bilhões compravam há um ano. Cada nota de R$ 100 vale R$ 10 reais a menos do que valia há um ano.

Portanto, com a inflação, o governo emitiu moeda e ganhou R$ 10 bilhões, enquanto as pessoas e empresas que portavam moeda perderam os mesmos R$ 10 bilhões por conta da desvalorização da moeda.

Assim, a inflação funciona como um imposto: há uma transferência de recursos das pessoas para o governo. O portador da nota de R$ 100 perde R$ 10 em um ano. Ao mesmo tempo, para cada nota de R$ 100, o governo emitiu R$ 10 em um ano.

A base da arrecadação do imposto inflacionário é a quantidade de moeda na economia. A alíquota do imposto é a inflação.

Impostos são necessários na economia. Em geral, porém, achamos que o imposto inflacionário é um imposto ruim. Um dos motivos (não o único) é que esse imposto inflacionário atinge principalmente o setor varejista (lojas, mercearias, etc) e os mais pobres, que carregam seus (poucos) recursos em dinheiro. Os mais ricos guardam uma fração ínfima de seus recursos em dinheiro vivo ou em contas sem remuneração. Assim, eles conseguem escapar do imposto inflacionário.

E o dinheiro que fica depositado em uma conta corrente no banco?

Os R$ 100 que ficam na conta corrente (sem remuneração) por um ano também valem, no nosso exemplo, R$ 10 a menos ao final de um ano. O dinheiro que comprava 30 litros de leite há um ano agora só compra 27 litros.

Assim, ao deixar R$100 parados na conta corrente por um ano, com uma inflação de 10%, você perde R$ 10. Quem ganha? O banco. Afinal, há um ano, o banco lhe devia o equivalente a 30 litros de leite, agora só lhe deve 27.

Em suma, a inflação provoca uma transferência de quem tem dinheiro em conta corrente sem remuneração para o banco e, também, de quem está portando moeda para o governo. Esta última transferência pode ser vista como um imposto, o imposto inflacionário.