Alguns economistas têm alertado que uma das possíveis consequências do desequilíbrio nas contas públicas é o aumento da inflação. O que uma coisa tem a ver com a outra?
A inflação é, entre outras coisas, um imposto sobre o dinheiro que portamos.
Uma alta nos preços de 10% significa que a nota de R$ 10 perde parte do seu valor, pois essa nota só compra agora o que antes custava pouco mais de R$ 9.
Para onde vai esse R$ 1?
Quando emitiu essa nota, o Banco Central a trocou por algo que valia R$ 10.
Digamos que essa nota circulou na economia e, depois de uma inflação de 10%, voltou para o Banco Central, trocada por títulos públicos. Essa nota só comprou o que antes valia R$ 9.
Assim, a perda de valor do dinheiro causada pela inflação gerou uma transferência no valor de R$ 1, de quem portou a nota de R$ 10 para o Banco Central. A inflação funcionou como um imposto sobre o porte de dinheiro.
A base da arrecadação do imposto inflacionário é a quantidade de moeda que circula na economia. A alíquota do imposto é a inflação. (Atualização: escrevi uma explicação mais detalhada sobre o imposto inflacionário neste post).
Se o governo não arrecada o suficiente, a inflação pode ser o imposto que fecha a conta? Quanto esse imposto é capaz de arrecadar?
A quantidade de moeda na economia (a chamada base monetária) é hoje cerca de R$ 250 bilhões, cerca de 4% do PIB brasileiro.
Uma inflação de 0,5% por mês (próxima da dos anos passados) resulta em uma “arrecadação” do imposto inflacionário de cerca de 0,25% do PIB em um ano.
Uma inflação 60 vezes maior (1% ao dia) levaria a uma arrecadação 60 vezes maior (15% do PIB)?
Não, porque um imposto desestimula justamente o que gera a base da arrecadação.
O gráfico acima mostra a quantidade de moeda na economia como proporção do PIB nos anos 1990.
Antes do Plano Real, a inflação era cerca de 1% ao dia.
Pessoas e empresas buscavam deixar quase todo o dinheiro aplicado, ficando com a menor quantidade de moeda possível.
Assim, a quantidade de moeda na economia girava em torno de 0,8% do PIB. O imposto inflacionário arrecadava cerca de 3% do PIB.
Com o Plano Real, a alíquota do imposto inflacionário (a inflação) caiu drasticamente. Ficar com dinheiro no bolso se tornou menos custoso. Para empresas, não valia mais a pena incorrer em custos altos para ficar com o caixa zerado no final do dia.
Logo após o Plano Real, a quantidade de moeda na economia quase triplicou. Aos poucos, pessoas e empresas foram se acostumando à nova situação e a quantidade de moeda na economia continuou aumentando.
Os dados mostram que uma inflação 60 vezes maior gerava uma arrecadação do imposto inflacionário apenas 12 vezes maior, porque a quantidade de moeda na economia era um quinto do que tem sido recentemente (tudo como proporção do PIB).
Conclusão: para uma arrecadação significativa de imposto inflacionário, é preciso uma inflação muito alta.
Essa seria uma solução muito ruim para o desequilíbrio fiscal. Podendo escolher, qualquer governo vai preferir o ajuste fiscal à inflação.