O Nobel de Economia de 2015

Por Bernardo Guimarães

Na terça-feira passada, o Prêmio Nobel da Física foi para a descoberta que o neutrino tem massa. No dia seguinte, Ricardo Mioto comentava na Folha sobre a dificuldade, para o público geral, de entender as descobertas premiadas, e dizia que essa dificuldade era uma fonte de frustração para não especialistas.

Em Economia, em geral, a sensação é diferente. Apesar de ser difícil entender os pormenores dos trabalhos premiados, é mais fácil entender em linhas gerais o objetivo e a contribuição. Contudo, com frequência, as descobertas parecem banais.

Hoje, foi anunciado que Angus Deaton ganhou o Prêmio Nobel em 2015 por suas contribuições na análise de consumo, pobreza e bem estar. OK, importante e interessante. Mas o que exatamente ele fez?

São muitas as suas contribuições. O anúncio do prêmio descreve algumas delas: Deaton criou maneiras de estimar a demanda por bens na economia; Deaton mostrou que, para entender as flutuações do consumo na economia, não podemos olhar para dados que agregam o consumo de todos, ricos e pobres; entre outras.

Parecem úteis e relevantes, mas, comparados às descobertas dos físicos e dos químicos, esses trabalhos parecem rudimentares. Enquanto os mecanismos de reparação do DNA ganham o Prêmio Nobel da Química e o neutrino ganha o Prêmio Nobel da Física, os economistas estão descobrindo como estimar o aumento na demanda por alimentos quando caem os preços?

Nesse post, vou tentar explicar duas coisas relacionadas ao Prêmio Nobel: (1) por que é difícil estimar um sistema de demanda, a ponto desse tipo de contribuição ganhar o prêmio; e (2) a mudança na relação entre a “microeconomia” e a “macroeconomia”, parte do motivo pelo qual a pesquisa de Angus Deaton teve bastante impacto na pesquisa em economia.

Começo pela primeira. Em linhas gerais, um sistema de demanda nos dá a relação entre as escolhas dos consumidores e os preços dos bens. A ideia básica é simples: se sobe o preço da manga, as pessoas vão substituir o consumo dessa fruta por outras. Um sistema de demanda nos mostra esse efeito.

À primeira vista, estimar a demanda por manga (e por qualquer outra coisa) parece relativamente simples: com dados sobre o preço praticado e sobre a quantidade comprada em diversos momentos no tempo, podemos encontrar a relação entre preço e quantidade. Qual o problema?

O problema é que usando essa técnica, estamos ignorando que a demanda não depende apenas dos preços. Isso leva a resultados completamente errados. Por exemplo, usando dados sobre preços de hotel nas cidades de praia e taxa de ocupação dos hotéis, descobriríamos que os hotéis estão cheios justamente quando cobram preços muito altos (em janeiro, nos feriados…).

Claro, isso não significa que as pessoas gostam de pagar caro. Os preços estão altos nos feriados e fins de semana, quando as pessoas podem viajar. De modo mais geral, um produto pode estar mais caro que usualmente porque muitos querem comprá-lo: a demanda aumentou. No exemplo dos hotéis, é relativamente fácil contornar o problema, mas em geral, não é.

Por causa desse problema, estimar um sistema de demanda é bem difícil.

Angus Deaton não descobriu nada disso, esse problema já era conhecido há muito tempo. Sua contribuição foi escrever modelos abstratos que buscam captar as escolhas das pessoas e empregar métodos estatísticos apropriados em suas estimações. Seus trabalhos nos permitiram avançar muito na estimação de um sistema de demanda por bens e serviços.

Hoje, entende-se que para estimar um sistema de demanda, é preciso começar da teoria. Basicamente, parte-se de um modelo da escolha do consumidor, ou seja, uma representação abstrata das preferências das pessoas que gera, como resultado, suas escolhas de consumo. Além disso, são necessárias técnicas estatísticas para contornar o problema explicado no exemplo dos hotéis.

Essa combinação de modelos, métodos estatísticos e dados sobre indivíduos ou firmas é hoje a norma na pesquisa em economia. Isso me traz ao segundo ponto: a relação entre a “microeconomia” e a “macroeconomia”.

Um modelo macroeconômico é, basicamente, um conjunto de equações que tenta representar a economia como um todo. Ainda que os modelos sejam bastante complicados, eles são uma representação muito simplificada da economia real.

Há 40 anos, os modelos macroeconômicos postulavam relações entre variáveis agregadas (por exemplo, entre o consumo total na economia e o PIB). Havia, portanto, uma grande distância entre a macroeconomia e o estudo das decisões de firmas e indivíduos, a microeconomia.

Hoje em dia, os modelos macroeconômicos partem de hipóteses sobre as escolhas das pessoas. A distinção entre macroeconomia e microeconomia é cada vez mais difícil de estabelecer. Além disso, a pesquisa empírica relacionada à macroeconomia está mais e mais voltada a dados microeconômicos.

Angus Deaton teve um papel importante nesse processo ao mostrar que, para entender as flutuações no consumo agregado (total consumido na economia), não basta olhar para dados de consumo agregado, é preciso olhar para dados individuais.

Esse post cobre apenas parte da contribuição de Deaton. Não falei sobre sua contribuição para medir pobreza e desigualdade, que é muito importante (ele explica sobre isso aqui). Também não expliquei o que ele fez, busquei passar uma visão geral sobre os problemas econômicos e a evolução da pesquisa em economia nos últimos anos.

Mais detalhes sobre o prêmio podem ser encontrados aqui.

Em suma, nas últimas décadas, a pesquisa em economia tem se beneficiado muito da aproximação entre teoria econômica e métodos estatísticos nos trabalhos empíricos, focando cada vez mais em dados microeconômicos (ou seja, dados sobre pessoas, empresas etc). Isso se deve ao sucesso de pesquisadores que buscaram esse caminho, como Angus Deaton.

Detalhe:

– O Nobel de Economia é o único da série que não foi criado por Alfred Nobel, mas pelo Banco Central da Suécia. É, portanto, o Prêmio de Economia em memória a Alfred Nobel.