Mais uma vez, a tal crise internacional é usada pelo governo como justificativa para o fraco desempenho econômico do Brasil nos últimos anos. Faz sentido essa justificativa?
Se a economia mundial cresce pouco, é natural que o país acabe sendo afetado. Em primeiro lugar, pelo efeito direto: a demanda por nossas exportações e a capacidade de investimento estrangeiro crescem junto com a economia mundial. Em segundo lugar, porque os motivos que fazem a economia mundial crescer pouco também devem afetar o Brasil, sejam lá quais forem esses motivos.
Vamos, então, aos dados. O gráfico abaixo mostra o crescimento do produto mundial entre 1991 até 2014.
Vemos, em 2009, o efeito da crise internacional, mas e depois? A economia mundial cresceu 3,6% ao ano no período 2011-2014, praticamente o mesmo que entre 1995-2002 e 2007-2010 (3,5% ao ano nos dois casos). No período correspondente ao primeiro mandato de Lula, 2003-2006, a economia mundial cresceu 5% ao ano.
Nem todos os países estão indo bem, como sempre, mas a economia mundial tem crescido bem e sem solavancos desde 2011. Além disso, são os países emergentes, os mais parecidos com o Brasil, aqueles que mais têm crescido. Quem não vai bem é a velha Europa.
As evidências sobre a tal crise internacional parecem se basear em exemplos específicos, do tipo “saiu ontem no jornal que tal país da Europa está em recessão este ano”. Isso faz tanto sentido quanto usar uma matéria do telejornal que noticia crimes como evidência sobre o aumento da criminalidade. O gráfico deste post mostra o crescimento da economia mundial como um todo.
Os dados podem parecer surpreendentes, pois tanto os países europeus quanto os asiáticos parecem estar crescendo menos que cresciam antes. Note, porém, que na década de 1990, os países asiáticos tinham um peso modesto na economia mundial. Assim, naqueles tempos, um crescimento de 10% ao ano na China não afetava tanto a economia do mundo como um todo (assim como um grande aumento na remuneração do garoto estagiário não muda muito a renda da família).
Desde então, as economias asiáticas cresceram muito e passaram a ter um peso muito maior no produto do mundo. Hoje, um crescimento de 7% na China corresponde a um aumento substancial na demanda e na capacidade de investimento mundial (na analogia com a renda da família, a China não é mais o garoto estagiário, é um gerente com um bom salário).
Está bem, a economia mundial vem crescendo bem, mas essa não é a única variável relevante no cenário internacional, certo? Sim. Duas outras variáveis importantes são: (1) a taxa de juros vigente nos países desenvolvidos e (2) o preço dos produtos não industrializados (as tais commodities).
Como eu expliquei neste post, a taxa de juros norte-americana em termos reais (já descontada a inflação do dólar) pode ser vista, de maneira bem simplificada, como uma espécie de taxa Selic do mundo. Quando os juros reais americanos estão baixos, emprestar ao governo dos Estados Unidos rende muito pouco. Assim, outras oportunidades de investimento ficam mais atraente. As taxas de juros reais nos países desenvolvidos estão em níveis baixíssimos, o que é muito bom para as economias emergentes, como o Brasil.
Por fim, os preços das commodities. Não estão tão baixos (em termos históricos), mas meu ponto aqui é outro. Quão importantes são esses preços?
A exportação de produtos não industriais foi responsável por 38,5% do valor total exportado pelo Brasil em 2014. Bastante. Porém, cerca de 88% da produção brasileira é destinada ao mercado interno, apenas 12% do que produzimos é exportado.
Assim, as exportações de commodities são cerca de 5% do produto brasileiro. Além disso, cerca de 2% do produto brasileiro é gasto com a importação de produtos não industriais. Quando as commodities estão baratas, recebemos menos pela soja exportada, mas também pagamos menos pelo trigo que importamos.
Portanto, uma queda de 15% no preço de todas as commodities (algo incomum) seguida por alguns anos de estabilidade de preços nesse nível mais baixo tem um efeito direto sobre o produto brasileiro inferior a 0,5% no primeiro ano e nenhum efeito nos anos seguintes (pois os dados de crescimento comparam um ano com o ano anterior). Efeitos indiretos podem atenuar ou acentuar o efeito direto.
Assim, variações nos preços de commodities afetam o Brasil, mas não tanto para derrubar nossa economia agora, nem para justificar o desempenho bom na década passada.
Em suma, a crise internacional do discurso oficial é uma mentira.
Os reais motivos para a forte desaceleração da economia brasileira durante o governo de Dilma Rousseff são outros. Ao usar a crise internacional como justificativa para os déficits em anos passados, a presidente não está reconhecendo os erros que nos trouxeram a uma situação de baixa produtividade e pouco investimento.
Referências:
– Boa parte desse post foi adaptada de um trecho do meu livro “A Riqueza da Nação no Século XXI”.
– Os dados para o crescimento mundial eu tirei do site do FMI.
– Os dados de exportação e importação eu tirei do site do ministério que cuida disso.
– Discurso da presidente: “Por seis anos, buscamos evitar que os efeitos da crise mundial que eclodiu em 2008, no mundo desenvolvido, se abatessem sobre nossa economia e sociedade.”
Detalhe:
– Exemplo de efeito indireto atenuante: se cai demais a demanda internacional por bens agrícolas e seus preços nos mercados internacionais, o produtor pode passar a produzir outra coisa, possivelmente para o mercado interno.