O desemprego na construção civil e a poupança

Por Bernardo Guimarães

Como mostram os gráficos na matéria da Folha, o setor da construção civil tem sido especialmente atingido pela crise. A reportagem mostra uma queda de 6,7% no nível de emprego no setor nos últimos 12 meses. E isso me faz pensar na caderneta de poupança.

O sistema financeiro brasileiro é cheio de regulamentações. Por exemplo, a caderneta de poupança rende TR + 6% ao ano. Os juros são tabelados, um banco não pode concorrer com o outro e pagar mais (nem menos). A lei também determina que 65% do saldo da caderneta de poupança deve ser destinado ao crédito imobiliário.

Assim, a quantidade de recursos disponíveis para o crédito habitacional depende muito de quanto é captado pela caderneta de poupança.

O rendimento das outras aplicações financeiras oscila de acordo com as variações na taxa Selic, aquela escolhida pelo Banco Central. A Selic varia bastante. Por outro lado, a TR varia muito pouco, tem estado sempre abaixo de 2% ao ano desde 2007. Assim, quando o Banco Central sobe a taxa de juros Selic, a caderneta de poupança fica relativamente menos atraente (o rendimento das outras aplicações financeiras aumenta, mas a poupança não é diretamente afetada).

A consequência é que essas variações nos juros afetam a composição do crédito no Brasil. Quando os juros estão baixos, a poupança fica muito atraente e, portanto, uma parcela maior do crédito é destinada ao financiamento habitacional. Quando os juros estão altos, a poupança fica pouco atraente e a fatia do crédito direcionada ao financiamento imobiliário se reduz.

Isso acontece não porque assim queremos, mas porque a regulamentação tem esse efeito colateral. A proporção do crédito destinada ao financiamento habitacional varia quando o Banco Central mexe na Selic não por conta de alguma razão econômica, mas por conta de regras fixadas no passado. De acordo com este boletim sobre o mercado imobiliário, a caderneta de poupança rende 6% ao ano desde 1861. Dom Pedro II era o rei.

No momento atual, a taxa Selic está bem alta. Consequentemente, a poupança está relativamente muito pouco atraente. Como seria de se esperar, a saída de recursos da caderneta de poupança tem batido recordes. Sem o recurso da poupança, há menos crédito imobiliário. De fato, a Caixa Econômica já apertou as regras para a concessão de novos empréstimos para financiar compra de habitações. Isso reduz a demanda por imóveis. Assim, torna-se menos vantajoso construir — ou seja, há menos empregos no setor.

Em suma, leis obsoletas do nosso sistema financeiro induzem variações indesejáveis na fatia do crédito alocada ao setor habitacional. Esta é uma dentre as muitas ineficiências que assolam nossa economia.

O debate sobre políticas econômicas, em geral, se perde na discussão sobre quem ganha e quem perde com cada proposta de política. Assim, deixamos de resolver problemas que fazem com que a economia como um todo saia perdendo.

Cada uma dessas ineficiências é um pequeno entrave ao desenvolvimento do nosso país, mas em conjunto, elas são muito importantes. Reduzir essas ineficiências deveria ser uma das principais atribuições do governo brasileiro.

Desde 2006, esse tipo de questão não tem recebido muita atenção do governo. Essa é uma causa importante da desaceleração da economia nos últimos anos, culminando com a crise recente.

Referência:

– Para uma análise sobre a evolução do crédito imobiliário em anos recentes e de seu impacto na demanda e nos preços dos imóveis, veja o Boletim FipeZAP número 2, de setembro de 2015, feito pela equipe coordenada pelo Eduardo Zylberstajn.

Detalhes:

– A caderneta de poupança rende TR + 0,5% ao mês, o que dá um pouco mais que TR + 6% ao ano (porque são pagos juros sobre juros), mas isso não é importante para os propósitos do post.

– Naturalmente, as construtoras estão atentas aos movimentos nos empréstimos habitacionais e percebem que vai haver uma redução no crédito imobiliário mesmo antes dessa redução de fato ocorrer.