Uma multa é um bom imposto

Por Bernardo Guimarães

De acordo com reportagem da Folha, espera-se um aumento substancial na arrecadação com multas de trânsito na cidade de São Paulo. De acordo com o senso comum, multas deveriam ser usadas como instrumento para que as regras fossem cumpridas, não como meios para arrecadar fundos. Mas faz sentido isso?

Pagamos impostos ao governo federal porque trabalhamos (IR). A prefeitura cobra impostos quando empresas prestam serviços (ISS, 2% do valor de cada nota que emitem). Um imposto de cerca de 18% incide sobre a venda de bens e serviços (ICMS). Dessas maneiras, os governos arrecadam fundos para custear suas atividades.

Como eu expliquei neste post recente, os impostos tem o efeito de desestimular justamente as atividades que geram a base da arrecadação. Ao tributar a renda, tornamos menos atrativo o trabalho no setor formal da economia. Não porque assim queremos, mas porque os impostos tem esse efeito colateral. Da mesma maneira, o ICMS e o ISS tornam bens e serviços mais caros e, portanto, reduzem as trocas, algo que gostaríamos de estimular.

Por outro lado, as multas desestimulam atravessar o sinal vermelho, trafegar pelo acostamento, dirigir em alta velocidade ou depois de tomar bebidas alcoólicas, coisas que de fato gostaríamos de desestimular. O que é efeito colateral no caso dos impostos é um efeito positivo no caso das multas.

Assim, faria sentido que buscássemos arrecadar mais com multas e menos com impostos. Dessa maneira, os governos conseguiriam arrecadar o mesmo montante que arrecadam hoje com menos desestímulos ao trabalho e às trocas e mais desestímulos às infrações.

Como consequência, transferiríamos aos governos o mesmo montante que transferimos hoje, mas produziríamos mais bens e serviços (por conta da redução nos impostos) e teríamos mais segurança no trânsito (pois multas frequentes desencorajariam atividades perigosas).

O argumento parte do pressuposto que concordamos com o propósito da multa. Isso nem sempre é verdade. Por exemplo, na opinião de muitos, não deveríamos buscar reduzir a velocidade dos carros nas marginais. Mas nesse caso, o problema não é usar a multa como meio de arrecadação, mas a existência da multa em si.

O mal uso dos recursos públicos não é um bom motivo para a oposição ao uso de multas como meios de arrecadação. Nesse caso, o problema é a maneira como o dinheiro é gasto, não como ele é arrecadado. Mais multas e menos impostos não afetariam o montante gasto pelo setor público. Muitos gostariam que o governo arrecadasse menos, mas essa é outra discussão.

A reportagem da Folha explica que “a arrecadação com multas deve ser revertida para as áreas de sinalização, engenharia de tráfego e de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito”. Isso significa que 100% dos gastos da prefeitura com a máquina administrativa, educação, etc devem ser financiados desestimulando atividades que nós gostaríamos de incentivar, como a prestação de serviços, que gera milhões de empregos na cidade.